Embora haja boas projeções relacionadas ao Open Finance, questões como segurança, tratamento de dados e incentivo à adesão, ainda são essenciais para que o ecossistema se estabeleça de maneira efetiva.
Compartilhamento de dados – é basicamente nisso que se resume o Open Finance. Considerado a evolução do Open Banking, ele permite que as informações bancárias de um indivíduo possam ser compartilhadas, com seu consentimento e direcionamento, entre diversas instituições financeiras, como bancos, corretoras de seguros, serviços de câmbio, plataformas de investimentos, entre outras. A ideia é que o cliente tenha autoridade e controle total sobre suas informações, podendo aproveitar soluções de diferentes organizações, de acordo com suas preferências e seu perfil.
Visto que o modelo tradicional de contratos bancários envolve uma apropriação dos dados financeiros, de forma que não possam ser compartilhados e acessados, essa mudança tem chamado muito a atenção desde o seu surgimento.
No entanto, apesar das altas expectativas e do cenário promissor que as mudanças do sistema têm gerado, o caminho para sua consolidação no Brasil ainda traz alguns desafios.
De acordo com avaliações realizadas pela consultoria de gestão financeira Oliver Wyman, o Open Finance deve alcançar 60 milhões de usuários no Brasil até 2025. O ecossistema chegou ao país em 2021, com convites dos bancos aos clientes para a abertura de seus dados bancários e o compartilhamento com outras instituições. Nessa etapa, 5 milhões de contas já foram conectadas, levando a resultados surpreendentes e mostrando uma implementação em ritmo acelerado, superando outros países e nos levando ao ranking dos líderes globais.
A expectativa, inclusive, é de que sejamos pioneiros desse tipo de sistema – lugar que, hoje, pertence ao Reino Unido. As projeções não poderiam ser melhores, mas ainda há um longo trajeto a ser percorrido e, de acordo com especialistas, algumas questões são essenciais para que o ecossistema se estabeleça de maneira efetiva. Conheça algumas delas:
O Open Finance envolve, basicamente, dados bancários – ou seja, informações importantes e sensíveis, principalmente quando compartilhadas de forma digital. E aqui entra um ponto importante: como esses dados serão tratados na implantação do sistema para que sejam abertos, qualificados e façam sentido para todas as instituições.
Em outros termos, isso significa que não basta ter acesso às informações dos clientes, as instituições precisam estar preparadas para entendê-las e analisá-las de forma eficiente e que gere resultados que possam ser convertidos em soluções customizadas.
Leandro Vilain, diretor executivo de Inovação, Produtos e Serviços Bancários da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), explica a situação: “Quando você tem um banco digital com um bilhão de registros é muito complicado. Então, todo esse tratamento dos dados será a maior parte dos investimentos nos próximos anos”.
Segundo ele, a resposta para isso é a inteligência artificial, que será uma grande aliada das instituições financeiras para uma implementação efetiva do Open Finance. Vilain prevê um aumento crescente na busca por soluções inovadoras que ajudem a afinar os processos de análise.
Quando se trata de informações financeiras, a segurança é um fator primordial. Com o Open Finance não é diferente, afinal, como garantir que os dados compartilhados não sejam acessados em tentativas maliciosas?
A PwC, em seu estudo “Pagamentos: o cenário a partir de 2025”, tratou da questão indicando uma sofisticação dos crimes financeiros, conforme novas soluções e sistemas surgem. Segundo o levantamento, com a adoção cada vez maior do Open Banking e dos pagamentos instantâneos e alternativos por consumidores e empresas, crescem as organizações de “fraude como serviço”. Ou seja, é preciso focar na segurança das operações.
No caso do Brasil, o foco é manter altos níveis de proteção, como bem pontuou José Roberto Kracochansky, CEO e fundador da Jazz: “Nós temos um sistema financeiro muito seguro no Brasil, e o desafio do Open Banking é não criar novos riscos”.
Em suma, o sucesso da implementação de todo o ecossistema Open Finance depende também do foco e dos investimentos em processos seguros, garantindo que dados sensíveis e operações não sejam facilmente acessados por terceiros.
O compartilhamento de dados, para que seja bem-sucedido, precisa ser padronizado. Dito isso, mais um desafio para implementação do Open Finance no Brasil diz respeito ao tipo e a qualidade das informações disponibilizadas, que podem ser diferentes dependendo da instituição financeira, causando dificuldade para a análises e interpretações corretas. Superar isso é o que vai levar a uma troca de dados realmente eficiente.
“Se o dado não é padronizado, você precisa traduzi-lo por meio de tecnologias próprias ou com empresas intermediárias parceiras que te auxiliem. É a partir da interpretação do dado que se consegue compreender o conteúdo e extrair valor dessa informação”, comentou Thiago Alvarez, fundador do Guiabolso e atual líder do Open Finance no PicPay.
Atualmente, o Banco Central, fiscalizador do sistema financeiro aberto no Brasil, criou uma regulamentação para padronização da linguagem, mas ainda é preciso ir além. Não se espera uma conformidade completa de cada informação, no entanto é possível criar fórmulas que permitam a cada organização estruturar os dados da melhor maneira possível para que o acesso a eles seja simplificado.
Um dos efeitos esperados de um sistema como o Open Finance é poder oferecer aos consumidores soluções e produtos financeiros personalizados, que estejam de acordo com seu perfil e seu histórico. Para isso, é preciso que eles concordem em compartilhar seus dados. No entanto, muitos ainda não entendem os benefícios e funcionalidades desse tipo de ação.
O começo da implementação no Brasil foi acelerado, alcançando em um ano números que levaram a uma grande quantidade de usuários. No entanto, os percentuais desaceleraram e, agora, é preciso investir em estratégias para que a adesão se mantenha ativa e todos entendam os benefícios de abrir o acesso aos seus dados.
O Diretor da consultoria Roland Berger, João Bragança, afirmou que o consumidor ainda não consegue mensurar os benefícios do Open Finance de forma direta. Para ele, “a pergunta de 1 milhão de dólares é: quando efetivamente o mercado vai ofertar mais produtos e o uso vai explodir?”.
O futuro do Open Finance, no entanto, não é feito só de desafios. Ele também mostra novas possibilidades, principalmente envolvendo o relacionamento entre clientes e instituições financeiras.
Questões como maior eficiência operacional, mais visibilidade sobre produtos financeiros e um portfólio personalizado de serviços são apenas algumas das vantagens desse mercado mais aberto. Tudo em função da flexibilidade dessa prática, que devolve ao consumidor o poder e o controle de seus dados, permitindo o compartilhamento com qualquer organização financeira de sua escolha. Antes fiel a um único banco, ele agora é dono de seu histórico financeiro e pode escolher as opções que achar mais vantajosas.
No final das contas, o resultado esperado é um mercado mais aquecido, com mais competitividade e, é claro, um esforço por parte das instituições financeiras em melhorarem suas ofertas de produtos para conquistarem mais clientes, tanto físicos quanto jurídicos. Em resumo, o objetivo é gerar serviços melhores e taxas muito mais competitivas.
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Inovação, tecnologia como aliada, empoderamento do consumidor, mais competitividade entre as organizações – ganhos para todos os stakeholders. Apesar de o Open Finance ter algumas barreiras à frente para garantir o sucesso de sua implementação no Brasil, os esforços, segundo especialistas, valem a pena.
Um mercado mais aberto também dá mais oportunidades para as instituições. “Com os avanços do Open Finance, as instituições financeiras estarão ainda mais conectadas, fortalecendo a visão de ecossistema, a partir de iniciativas que fomentem a inovação”, comentou o cofundador e CEO do EBANX, João Del Valle.
Ainda que o caminho de um sistema completamente ajustado à realidade brasileira seja longo, o Open Finance chegou para se estabelecer como uma nova prática de mercado, movimentando um cenário que, antes, parecia caminhar de forma lenta, deixando grandes fatias para poucos bancos.
Mas por outro lado, as mudanças devem continuar em ritmo acelerado. A líder do Open Finance no Banco do Brasil, Karen Machado, vê esse processo como “Um movimento de aprendizado do mercado. Precisamos engajar o cliente para receber os dados e ofertar algo de mais valor”.
Em suma, com os investimentos certos em segurança, a padronização de dados e informações, e os incentivos à adesão, os benefícios se multiplicarão e já estão à porta de todos os usuários e instituições.