Dona da maior empreiteira do Brasil, o Grupo Odebrecht protocolou recentemente o maior pedido de recuperação judicial já registrado no país. Sem condições para honrar seus compromissos, a empresa acionou a Justiça para viabilizar uma reestruturação das dívidas após duas delas, que estavam vencidas e somavam R$ 900 milhões, terem sido executadas pela Caixa.
Do total de débitos, estimado em R$ 98,5 bilhões, R$ 51 bilhões estão diretamente relacionados no processo de recuperação judicial que inclui 21 empresas do grupo. Assim, a holding ainda preserva suas principais companhias operacionais, como a Braskem e a Odebrecht Engenharia e Construção.
Os números são impressionantes. Mas além disso, servem para entender alguns desafios da gestão financeira de uma empresa complexa. A trajetória recente do grupo permite tirar lições importantes sobre planejamento estratégico, gestão de risco e controle do endividamento, por exemplo.
Entre os motivos que levaram à situação dramática vivida pela Odebrecht, o mais conhecido é o envolvimento no esquema de corrupção investigado pela Operação Lava Jato. A participação sistemática da empresa em atos ilícitos gerou enormes desafios além dos que ela já esperava encontrar na expansão dos seus negócios.
Este artigo trata das dificuldades que a Odebrecht passou a enfrentar desde então, do ponto de vista da gestão financeira, assim como das lições que podemos tirar sobre controle de endividamento e gestão de risco a partir do maior pedido de recuperação judicial da história do Brasil.
No mundo das finanças, credibilidade é tudo. Na prática, é ela que precifica o custo de pegar dinheiro emprestado, seja junto a instituições financeiras, seja no mercado de capitais. Quanto melhor as condições para uma empresa honrar suas dívidas, menor o custo para obter recursos.
Mas nem sempre, a precificação é feita com base em cálculos objetivos. Às vezes, a expectativa de um futuro delicado basta para que a desconfiança cresça, elevando o custo do crédito.
Mesmo depois de ter assinado acordos de leniência e ter encorpado as áreas de conformidade e governança, num gesto simbólico para mudar a imagem associada à corrupção, permaneceram as dificuldades para a empresa conseguir contratos com o governo e obter novos financiamentos.
Por si só, a perda de credibilidade é um enorme problema, pois encarece as operações da empresa. E pelo que se demonstrou, a Odebrecht assumiu riscos muito altos ao se envolver de forma tão generalizada e profissional no maior esquema de corrupção já apurado no país.
Como se trata de uma atividade ilegal, a gestão do “risco de ser descoberto” se torna mera especulação. Se por um lado pode garantir um maior número de contratos e uma taxa de retorno acima do praticado no mercado, por outro, pode lançar a empresa numa espiral negativa, como de fato ocorreu.
O preço que a companhia paga hoje, certamente, é mais caro do que se imaginava. E a perda de credibilidade foi o gatilho para aumentar outros riscos, esses, sim, geridos de maneira técnica. O grande problema foi que a perda de credibilidade, e o consequente aumento dos riscos financeiros, ocorreu num momento em que o Grupo já estava excessivamente exposto a riscos internos e estratégicos.
Surfando no crescimento econômico que o Brasil apresentava na década passada, a maior construtora do país adotou uma estratégia agressiva de diversificação das suas atividades e expansão dos negócios. A sua crise financeira se iniciou em um momento de grande expectativa de crescimento, um tempo áureo para a companhia.
Para se ter uma ideia, em menos de dez anos, o faturamento anual do Grupo Odebrecht mais do que triplicou, saindo de R$ 40 bilhões para R$ 132 bilhões, entre 2008 e 2015. Em 2010, o Grupo anunciou que até 2020 pretendia faturar R$ 200 bilhões.
Na esteira desse entusiasmo, a companhia ampliou suas atividades em diversos mercados, como construção, petroquímica, indústria naval, defesa, óleo e gás, etanol e gestão de resíduos, e passou a operar em outros países, principalmente, da América Latina e da África, também de modo suspeito.
Para viabilizar uma expansão dessa intensidade, foi preciso obter financiamentos, atrair capital e recursos humanos. Assim, a Odebrecht ampliou o número de funcionários de 82 mil para 128 mil, entre 2008 e 2015, registrando a marca de 274 mil empregados, em 2014.
Mas os números mais impressionantes são os que representam a trajetória da dívida da empresa. Para viabilizar seu plano de negócios, o Grupo Odebrecht precisou multiplicar por seis a sua dívida. Assim, ela saltou de R$ 18 bilhões, em 2008, para R$ 110 bilhões, em 2015.
Os riscos internos e estratégicos estavam postos.
Desde 2016, quando passou a colaborar com a Lava Jato, o Grupo viu suas dificuldades crescerem em duas frentes. Na gestão financeira, começou a se deparar com a dificuldade de conseguir financiamento junto aos bancos públicos, os principais credores da sua dívida, atualmente, com R$ 22 bilhões dos R$ 51 bilhões diretamente envolvidos na recuperação judicial. A falta de acesso ao crédito pode criar problemas para a gestão do fluxo de caixa, elevando assim os riscos financeiros.
Além disso, os contratos com o governo também foram minguando, o que trouxe uma forte redução de receitas. Dos 132 bilhões faturados, em 2015, elas despencaram para R$ 89 bilhões no ano seguinte, em 2016. Ou seja, quase um terço a menos em apenas um ano, ao passo que sua dívida permanecia alta.
A espiral negativa se completa nos esforços não muito bem-sucedidos empregados no seu plano de desinvestimento. Desde então, o Grupo conseguiu vender cerca de R$ 7 bilhões em ativos, mas não conseguiu se desfazer de participações importantes, como a hidrelétrica de Santo Antônio.
Se por si só, a estratégia de crescimento já impunha desafios à altura da ambição do Grupo – elevando os riscos internos estratégicos –, por outro lado, a situação foi se tornando mais dramática à medida que a economia brasileira se afundava numa crise que até hoje não se foi.
Sem contar os riscos externos, já seria bastante desafiador manter o controle do endividamento equilibrado. A gestão de risco, no entanto, deve sempre ter em vista o cenário global. Além de ter subestimado o risco associado à corrupção, ela expôs excessivamente a empresa a riscos externos.
A economia mundial desacelerou, o preço das commodities caiu, a política econômica fracassou e a produção do país regrediu. A construção civil parou, o custo do crédito encareceu. Combinados, esses fatores levaram uma das maiores empresas privadas não financeiras do Brasil à beira da falência, impondo seu maior desafio: propor, em até três meses, um plano de reestruturação de dívidas que agrade aos credores.